terça-feira, 30 de novembro de 2010

"Eu fim do Alemanha de náávio"

O meu pai, já falecido há décadas, nunca aprendeu o português corretamente pois não teve oportunidade de frequentar escolas ou cursos por aqui em meados de 1950. Logo que desembarcou precisou ganhar o sustento da família.
Mas nunca se acanhou em falar, tudo engraçadamente errado, com todo mundo. Teve, no entanto, a esperteza de ter sempre alguém por perto quando precisava se comunicar por escrito, seja filha, secretária ou outros. Explicava o que queria escrever e confiava que tudo saísse corretamente.
Contava para todos nossa viajem de navio da Alemanha para cá, num cargueiro holandês, absolutamente nada luxuoso. Nada de cabines individuais: havia um alojamento para homens e outro para mulheres, um refeitório comun e nada mais.
Como era um cargueiro, trazia no convés engradados com vacas que foram levadas para Holambra, perto de Campinas (SP), onde os holandeses fundaram a comunidade. No navio havia vários holandeses e um padre que falava alemão. Muito legal, esse padre. Como nós crianças estávamos muito magras, porque estávamos saindo da grande fome do pós guerra, esse padre sempre pedia ao cozinheiro que nos preparasse bastante mingau de semolina com chocolate granulado, que não conhecíamos e adoramos. A viajem durou aproximadamente 30 dias. Chegamos gordos.
O navio fez uma parada no porto de Aracajú e pudemos desembarcar. Meus irmãos e eu, loirinhos, fomos perseguidos pelos estivadores do porto que queriam passar a mão em nossos cabelos, achando que éramos anjinhos. Morremos de medo e o padre, que falava português também, intercedeu e nos explicou o porquê da perseguição. Concordamos em ser anjinhos por um tempinho. Perto do pier havia um carregamento de bananas ainda verdes esperando embarque e quando olhamos gulosamente para elas, ganhamos um cacho inteiro. Comemos as bananas ainda verdes e seguimos viajem e tivemos uns dois dias de óbvia dor de barriga.
A parada seguinte foi o Rio de Janeiro. Entramos ao primeiro amanhecer na baía de Guanabara e foi a coisa mais linda que ví:  a baía toda descortinada à nossa frente, o céu rosa-alaranjado, as luzes da cidade aos poucos se apagando, o Pão de  Açúcar, o Corcovado e o verde em volta da cidade, muito verde. Os morros ainda não estavam ocupados naquela época. Foi emocionante. Passeamos um dia inteiro na bela cidade.
Seguimos viajem e desembarcamos em Santos que naquela época não era lá essas coisas onde um irmão do meu pai nos esperava e que estranhou ver as crianças gordinhas.
Pois é, “eu fim do Alemanha de náávio”.

Um comentário:

Santos Passos disse...

Delícia de história.
Beijinhos.