quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Todo mundo de preto

Corriam os inícios do anos 80 e tínhamos uma inflação aceleradíssima no Brasil. Se não me engano era coisa de 80% ao mês. Os salários mensais que eram pagos não davam nem para quinze dias e tínhamos de nos virar para fechar o mês. Todo mundo aplicava no assim chamado overnight para tentar esticar o dinheiro.
As leis trabalhistas não conseguiam alcançar a rapidez da aceleração da inflação para reajustar os salários e  lá pelas tantas instituíram um tal de gatilho salarial que dava reajuste automático. Mas nunca era o suficiente. As perdas salariais eram grandes e as insatisfações imensas.
Nesta época eu trabalhava num escritório de engenharia consultiva e gostava muito de lá. 
Lutava para sobreviver e hoje olhando para trás não sei mais dizer como consegui. Aliás, como todos conseguiram.
Um belo dia neste escritório de engenharia correu o boato de que naquele mês a empresa não pagaria o tal gatilho salarial e todos ficaram preocupados e revoltados.
Assim também eu. Fiquei imaginando como expressar meu desagrado e comentei com minhas colegas de biblioteca e de departamento que no dia do pagamento deveríamos vir todos de preto para expressar protesto. 
Foi muito interessante o que aconteceu: os colegas mais próximos, únicos a ouvir minha proposta, espalharam a ideia  e a coisa tomou rumos alarmantes. Todo mundo do imenso escritório comentava e houve até uma secretária de um departamento distante do meu que contou toda prosa que recebeu incumbência do seu chefe de espalhar a ordem de vir de preto no dia do pagamento. Fiquei até com medo e pedi aos meus colegas que não contassem a ninguém que eu havia inventado a história.
Chegado o dia do fatídico pagamento realmente bastava passear pela empresa para verificar que todos, salvo pequenas excessões, estavam de roupas pretas. Tudo escuro e todo mundo comentando. 
Fiquei abismada com a força do boato que se alastrou mas a verdade é que não adiantou nada pois não recebemos o gatilho mas comentou-se muito que a diretoria ficou  assustada com a coesão dos funcionários. 

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