quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Eu queria

Quando entrei no mundo acadêmico, por volta de 1967, achei que deveria então lutar para transformar-me numa intelectual daquelas bem cultas. Não sabia, e não sei até hoje, em que momento se dá o pulo do gato, sabia apenas que teria de ler muito, o que já fazia, estudar muito, o que também não me causava nenhum problema e fazer amizades acadêmicas, o que me causava muitos problemas porque era muito tímida.
Além disso eu vivia muito integrada no mundo da vela que amava e amo até hoje. Participava de regatas, velejos-treino e depois de constatada a minha  pouca habilidade, virei juíza. Adorava, tendo todos os fins-de semana reservados para o esporte o que perdurou décadas e não concebia fazer outra coisa.
Como  cursava a faculdade de Bibliotecnomia na Escola de Sociologia e Política, logo me ví num impasse: ou bem vivia a vida acadêmica intensamente ou velejava. Como  eu também já trabalhava  nesta época percebí que fazer os tres era bem difícil. Eu bem que tentei. Na escola, entre outras matérias, tínhamos também aula de História da Arte que era lecionada pelo pintor Oswald de Andrade Filho, o Nonê. Sim, filho do famoso Oswald de Andrade, poeta, romancista, escritor , etc. O Nonê era muito querido e contava muitas histórias de suas viajens com o pai, a Anita Malfati, Tarsila do Amaral e outros e volta e meia nos convidava para ir ao seu ateliê para conhecer outros pintores e intelectuais. Eu, ainda tomada de um desejo romântico de vir a conhecer intelectuais e, quem sabe, um dia ser um deles, fui em certa ocasião com mais duas ou tres colegas ao dito ateliê, em pleno sábado à tarde.
Para mim era um sacrifício e chegava a me causar dor física abandonar os barcos durante uma tarde de sábado. O ateliê era escuro e bem ateliê mesmo, cheio de tintas, bagunça, panos sujos, cavaletes e telas. Tinha várias pessoas jovens, todos conversando e bebendo. Sobretudo bebendo. Não ouví nenhuma conversa intelectual e achei o ambiente enfadonho. O salão tinha apenas uma janela e por ela eu via o sol e, em vez de apreciar as pinturas que estavam sendo produzidas e me encantar com a arte, tentava desesperadamente farejar que tipo de  vento estava soprando, para adivinhar o desenrolar das minhas adoradas regatas. Lá pelas tantas a bebedeira aumentou  e percebí que um dos jovens pintores começara a medir insistentemente a minha bunda. Achei melhor me escafeder dalí. Será que algum deles ficou famoso?
A vela venceu, o mundo acadêmico ficou só no básico, minhas colegas de faculdade me achavam meio maluca quando eu contava dos barcos e só uns anos mais tarde voltei a tentar equacionar as duas forças que me puxavam como um cabo de guerra, o saber e o esporte.
Conto em outra ocasião.

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