segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Um tipo inesquecível


Velas ao vento, existe beleza plástica maior? Deslizam sobre a água, prá lá e prá cá em silêncio só ouvindo o bater das ondas da água batendo nos cascos.


Quem vê os barquinhos a deslizar, no entanto, não imagina o trabalho que está por trás destas imagens: trabalhos de montagem: põe o mastro, põe a vela, regula, põe o barco na água, tira da água, tira a vela, tira o leme, tira o mastro, lava, cobre, guarda, treina para as regatas e muito mais.

A trabalheira da manutenção é outro capítulo de um bom velejador, verificando sempre se está tudo em ordem para não ter problemas durante as competições.
Para fazer a manutenção e os consertos de eventuais quebras é preciso muita habilidade. Para isto, no clube de iatismo que frequentei a vida toda (YCSA) havia uma figura ímpar, Oscar Weckerle, que conseguia ser bem-humorado e rabujento ao mesmo tempo, falava alemão e português misturado e gostava de uma boa cerveja.

Não sei da biografia completa de Weckerle, pois não era de contar, mas sei que lá pelos anos 60 tinha um chaveiro em Santo Amaro  e dizia-se que era ótimo arrombador de cofres e que fora caçador de minas na Segunda Guerra Mundial. Lá pelas tantas fechou sua lojinha e, como não era nada rico, passou a morar nas dependências do clube e a se destacar em consertos e manutenção dos barcos. Era muito habilidoso e atendia a todos sempre chamando todo mundo de “menino”ou “menina”, fosse jovem ou velho. Não fazia distinção entre os mais feras  da vela ou apenas os “domingueiros”. Para qualquer estrago tinha uma solução: manejava as ótimas ferramentas que possuía e entrava em ação: parafusar, rebitar, lixar, colar, apertar, escarear, esticar, regular, prender, furar, rosquear, soltar, e muitos etceteras.

Especializou-se tanto na manutenção de barcos a vela que logo seguiu inusitada carreira: passou a acompanhar a delegação brasileira de vela, seus meninos, aos Jogos Olímpicos e PanAmericanos. Tinha sempre mil histórias para contar: nos Jogos de Moscou em 1980 a vela ficou sediada em Tallin (Estônia), no mar Báltico. Os meninos brasileiros chegaram de madrugada e a russa responsável pelo alojamento negou-se a deixá-los entrar e não adiantava mostrar credenciais ou passaportes. Estava irredutível. Weckerle resolveu a questão: apanhou um punhado de bombons Sonho de Valsa de sua mochila, colocou nas mãos da sargentona e a porta se abriu.
No PanAmericano de Caracas a vela ficou sediada numa cidadezinha sem muitas regalias e os velejadores sofreram um bocado com o calor, aridez quase desértica do lugar e com a falta de água potável. Weckerle sentiu-se responsável pelo bem estar dos meninos brasileiros: arranjou uma bicicleta (sempre conseguia arranjar tudo) e todas as manhãs partia para longe para buscar água. E já era idoso!!
Nos Jogos Olímpicos de Los Angeles de 1984, houve problemas na volta, o avião da Varig estava lotado e Weckerle correu risco de ficar de fora: atazanou tanto a tripulação e o comandante do vôo, misturando alemão e português, que acabou sendo levado na cabine dos pilotos da aeronave. Não duvido que tenha aproveitado para consertar algo no cockpit.
Viajou muito com nossas delegações e sempre se fazia acompanhar de sua oficina-móvel: meu pai projetou e construiu-lhe um armário-oficina com rodas, cheio de gavetas e compartimentos para as peças e ferramentas que, quando tinha de viajar, era coberto por um tampo de metal com cadeado. Um trambolhão. Fico imaginando o espanto dos agentes das alfândegas por onde passou. Em todos os lugares que ia aproveitava para comprar ferragens e ferramentas, sabendo exatamente em quais países havia o melhor. Trazia tudo na oficina-móvel.
Quando voltava ria satisfeito porque os meninos quase sempre traziam medalhas.
Por sua competência e bom humor era muito querido entre todos os velejadores. Certa ocasião o COB aventou a hipótese de levar outra pessoa como mecânico de manutenção no seu lugar para uma Olimpíada. Os iatistas rebelaram-se e lá foi ele novamente.
Viveu décadas no clube e também se envolvia na manutenção do lugar. Um dia resolveu consertar algo no telhado do hangar dos barcos, exatamente sobre sua oficina, escorregou, caiu e morreu em meio aos barcos de que tanto gostava.
Fizeram-lhe bonita homenagem: batizaram as regatas seletivas nacionais para o mundial da classe Star de "Taça Oscar Weckerle"

Um comentário:

Unknown disse...

eu lembro como ele xingava as peças quando eles não colaboravam com um sonoro e cheio de sotaque: puta que pariu!!!!
E até hoje não sei quem ganhou dele nos jogos de xadrez no YCSA.